Um estouro na estrada
Nubor Orlando Facure
Os causos que conto são verdadeiros
e acontecidos, outros inventados. Para alguns pedaços preciso pedir à Deus para
dar o devido desconto quando cometo omissão ou exagero.
Mais esse é um que merece registro:
Deve ter sido 1976, convidamos o
Professor Lefevre para uma palestra aqui em Campinas – uma aula especial no
anfiteatro da antiga e carcomida Santa Casa – o famoso “Paulistão“, sujo e sem qualquer conforto – mas, cheio de
histórias daquelas aulas magistrais das Teses de Doutorado no início da
Faculdade de Medicina – galhardamente, eram um espetáculo social.
Desfrutei de aulas, visitas à
enfermaria e reuniões de casos no HC em São Paulo na década de 60 no tempo do
Professor Lefevre – fundador inconteste da Neuropediatria brasileira – fez
história nessa área e até hoje ninguém se aproximou aos sues méritos e
genialidade.
Era uma figura vistosa, imponente,
para aparecer em qualquer das epopeias do cinema de então – de perto poderia
ser Cesar ou o Poderoso Chefão – mas,
seu carisma e sua docilidade, com um jeito particular de falar, deixava as alunas e assistentes magnetizados
– a cada leito que parávamos para que ele revelasse ali suas opiniões havia um
séquito de fiéis seguidoras – não era bajulação, ele não se dava a isso, era
deslumbramento.
Finalzinho da manhã, encostávamos
ao seu lado no corredor e o discurso político de esquerda se revelava num homem
comprometido com um ideal socialista romântico – a esquerda filosófica da USP
naquela ocasião
Quando vim para Campinas dei
algumas aulas de neuropediatria complementadas com um filme clássico em que o
Professor Lefevre expunha as técnicas de exame neurológico do recém nascido –
ano após ano esse filme era exibido nas diversas turmas que passavam pela neurologia
– a modernidade trouxe avanços mas não a mesma competência do Professor Lefevre
em lidar com suas próprias mão o corpinho delicado dos bebês – talvez, como
tudo que envelhece, as gerações de novos neurologistas nem sabem mais onde
estará essa relíquia cinematográfica – pobre pais que se desfaz da experiência
dos professore/médicos de antigamente
Assim que o Professor Lefevre chega
a Campinas recebo um telefonema – era o Professor Spina-França, famoso pela sua
rigidez germânica – queria me dar um recado particular – Professor Nubor, está
em suas mão um Homem, o professor Lefevre, a quem Você deve dar toda proteção
possível, não me deixe acontecer nada com ele – mil coisas se passaram na minha
cabeça, o coração batendo fora do peito, as pernas desapegaram do chão, não
tenho memória para lembrar sequer o título da aula – era 1976, isso diz quase
tudo, e, na época trabalhava conosco o Dr. Moreira fazendo nossos
eletroencefalogramas – o convoquei e pedi às preças a presença da minha esposa
(nossa enfermeira na ocasião) – terminada a aula, instalamos o Professor, que
mantinha sua cândida calma, no meu Galaxi LTD marrom e fomos os quatro para São
Paulo. Na altura de Louveira escuto um estrondo – o Dr. Moreira disse: estourou
um pneu – até hoje furar pneu nunca mais me aconteceu na vida – mas, com o
Professor Levevre recomendado veementemente pelo Prof Spina, tinha de
acontecer. Não adiantou termos prometido lhe darmos o máximo de proteção, foi o
acaso ? justamente na Anhanguera ? – naquele tempo só passava por ali um gato
pingado de vez em quando. Jamais teria forças até para sair do carro, mas,
providencialmente agradeço ao Dr. Moreira até hoje – ele fez a troca e
entregamos o Prof. Lefevre são e salvo – esse homem brilhante veio a falecer
anos mais tarde de complicações bobas numa cirurgia cardíaca de onde milhares
saem ilesos (sic)
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