Obsessão múltipla
Nubor Orlando
Facure
Dr. Moacyr entra no consultório
trazendo seu neto de 26 anos. Depois de lembrar de momentos em que cruzamos
pela vida acadêmica Dr. Moacyr faz as apresentações de Marcinho, o neto mimado,
porte atlético, tatuado em braços e panturrilhas, olhos espertos, espantados, correndo para um lado e para outro da minha
sala. Mas, o rapaz é muito agradável, educação de família rica, viajado, proza
fácil, tem muitos amigos, na verdade todo mundo gosta muito dele ali onde
moram. Está proibido de sair com a moto e, por exaustão a mãe o convenceu de ir
passar o dia com o avô que o sustenta,
acompanha até a academia de ginástica, assistem televisão juntos, mas,
seu trabalho médico não lhe permite estar com Marcinho o tempo todo – vez por
outra o rapaz sai com amigos do condomínio. De repente o Marcinho se levanta,
anda pela sala, faz umas contrações esquisitas com a face, meche a cabeça com
se levasse um susto, tem trejeitos com o corpo e ao passar a tocar nos objetos
da minha mesa, quadros da parede, tudo ele o faz estabanado, bate uma coisa
aqui outra ali, tropeça na própria cadeira, pede desculpas uma atrás da outra
(para mim, esses pequenos sinais são sugestivos de perturbação espiritual
naqueles instantes) depois ele começa a delirar um discurso confuso, místico e
tecnológico. Doutor Nubor vou lhe trazer a fórmula que me mandaram, eles tem
como captar energia do ar, eles falam comigo na tomada da televisão, até minha
mãe já ouviu a voz deles, é nítido, tem uma energia que deixa cheiro na ar – dá
para o senhor sentir se for lá em casa
Esquizofrenia, bipolaridade, abuso
de droga, tudo isso já foi motivo para encaminha-lo para internações que se
repetem, melhora dois ou três meses e tudo volta como antes.
O avô, me comove, vejo lágrimas nos
seus olhos, me foge qualquer palavra
para lhe consolar, sente-se o quanto ele ama esse neto, repete com carinho que
o moço é uma ótima pessoa, quando está bom é prestativo, ajuda até em tarefa
nos arquivos do consultório. É uma companhia e tanto, como vai longe a proza com
ele.
Marcinho está nesse vai e vem há 4
anos. Não é difícil acreditar no que disseram na reuniões do Centro Espírita
que o avô frequenta – são grupos perturbadores, cobranças de desatinos passados
e gente perturbadora, feroz mesmo, que prometem não lhe dar trégua.
Casos dessa gravidade levam anos,
talvez vidas umas após a outra para se equilibrar
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