sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Idéias Fixas

Nubor Orlando Facure

Cada um de nós é responsável pela criação do seu próprio mundo mental.
Recebendo os estímulos que a vida nos oferece, cons­truímos por conta própria as interpre­tações e os juizos de valores para as pessoas, os objetos e as situações que nos afetam. Dessa forma. os aconte­cimentos da vida se arrastam árduos e penosos, para alguns. enquanto para outros, o colorido dos dias estão sem­pre cheios de oportunidades novas.
O equilíbrio da mente, no entan­to, exige vigilância para não cairmos nas armadilhas que os pensamentos podem nos fixar. Ninguém está livre de ver seus desejos contrariados, seus objetivos não concretizados, suas idéi­as deturpadas e sermos mal interpre­tados em nossos mínimos gestos. To­dos esses acontecimentos podem cri­ar mágoas e contrariedades que es­tacionam ressentimentos duradouros dentro de nós.
É assim, que encontramos exem­plos inúmeros de "idéias fixas" que nos aprisionam num processo de auto­obsessão.
É a jovem que se prende em con­quistas mundanas e quando não tem o sucesso que espera, se revolta e se atormenta sem parar.
A esposa que se retém em pe­quenas expressões do marido, tentan­do achar pistas que o ciúme faz ver infidelidade. .
O amigo que num pequeno des­cuido nas gentilezas do outro, vê si­nais de rejeição.
A palavra que uma cunhada pro­nunciou e que parece revelar inveja.
A traição confirmada, que recusa esquecimento e não pratica o perdão, o remorso da palavra mal colo­cada que uma filha não soube inter­pretar.
O dinheiro emprestado que o pa­rente levou com garantias que pare­ciam seguras.
Marido e mulher quando se se­param não imaginam que pensamen­tos repeti ti vos podem atormentá-Ios por anos.
A "idéia fixa" é um turbilhão de imagens vividas. alavras já pronun­ciadas e ofensas repetidas que teimam em ir e voltar para dentro de nós.
Na verdade, ninguém vive sem esse diálogo interior. Nossas decisões racionais são sempre precedidas dessa conversa intema alimentada pelas nos­sas crenças.O compol1amento humano também resulta da disposição interna que, por força da vontade própria, nos faz tomarmos determinada atitude. E as idéias fixas deterioram o diálogo in­terior e comprometem as iniciativas que alimentam a disposição de viver.
André Luiz usa a expressão "mo­noidéia" para se referir a uma situa­ção gravíssima de idéia fixa. O Espí­rito fica aprisionado a um único pen­samento. Um desejo de vingança, uma frustração insupol1ável. um sentimen­to de culpa ou um vazio monstruoso que força o perispírito a retrair-se. des­corporificando suas características humanas, para se transformar numa espécie de esporo ovóide que se as­
semelha a formas primitivas de vida.
Aprendemos, também. no "Me­canismos da Mediunidade" de AndréLuiz. que nos fenômenos de "ideo­plastia" a energia do pensamento cons­trói em torno de nós o cenário que re­
flete o teor dos nossos desejos. Insis­tir com persistência numa idéia fixa de ódio ou vingança, de preocupação excessiva com a segurança econômi­ca ou com o compol1amento dos filhos, com os títulos ou as posses dos amigos, com a partilha da herança com pa­rentes difíceis, com os vícios que ali­mentam os prazeres significa construir em nossa própria "psicosfera" o am­biente correspondente aos nossos de­sejos. Passamos pela vida hipnotiza­dos ou obsidiados. felizes ou infelizes, mergulhados no circuito mental que nós mesmos construímos.
Allan Kardec em "A Gênese"
ensina que o perispírito fica "impreg­nado" do pensamento que transmite. Épor isso que a aparência de cada um de nós revela o conteúdo das idéias que alimentam nossos desejos. A alegria aumenta o brilho dos olhos e a raiva interna envelhece precocemente. O
desânimo nos arqueia os ombros e fazer o bem eterniza a juventude.
Na psicopatologia, a idéia fixa é um dos maiores tormentos que o so­frimento humano pode conhecer. Ela nos dá a sensação de que vai perdu­rar sem alívio pela eternidade.
Nos "Mensageiros" de André Luiz. há um "pronto socorro" de al­mas endi vidadas em que Espíritos es­tão sofrendo por séculos, num proces­so "anestesiante" que as idéias fixas congelaram no tempo.
O esquizofrênico das clínicas de Psiquiatria convivem com o martírio pel1urbador de idéias distorcidas. Tudo se refere a ele - nas idéias de refe­rência: tudo está contra ele - nas idéi­as persecutórias e tudo está ao seu alcance - nas idéias delirantes. No entanto, a consciência do seu distúr­bio o poupa do juízo e, talvez, ele nem saiba da extensão do seu destino.
Não se pode dizer o mesmo de quem cometeu um crime ou o suicí­dio. Em "Memórias de um Suicida",
Camilo Castelo Branco revela que na­da desse mundo apaga a idéia da arma que disparou no suicídio, da locomoti­va que esmigalhou os ossos ou do
vazio da queda no salto para a morte.
Nenhuma mãe esquecerá, tam­bém, o dia que abandonou o filho. O criminoso estará sempre preso ao cenário da culpa. O infiel sentirá a ne­cessidade de resgatar a confiança perdida. O falsificador não fugirá da verdade que ele mesmo vai revelar e o ladrão terá que devolver cada cen­tavo do que se apropriou. Até que o pensamento de cada um gere novos rumos e as idéias possam fluir, nenhu­ma consciência viverá em paz.
A idéia fixa reflete nossa própria insanidade. A Misericórdia Divina, porém, nos concedeu a bênção da inteligência e da razão que nos per­mite corrigir nossos erros. A vida é uma experiência que não poupará a ninguém dos desencantos, mas nem por isso devemos cultivar o remor­so. conservar a culpa ou alimentar a desesperança.


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