sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Compromissos em família

Nubor Orlando Facure



O velho Antenor aos 80 anos já não anda mais. Obrigado a ficar na cama a família tem de se revezar no atendimento dia e noite. Trocas de fraldas repetidas vezes, o banho desacomodado, é preciso manter a sonda de alimentação limpa, não descuidar dos horários da medicação, abastecer a dispensa dos suplementos alimentares. Fatos novos todos os dias: vômitos, grumos na urina, tosse a madrugada toda, febre repentina, tremores e noite inteira sem dormir - parece haver sangue nas fraldas. Justamente agora a plantonista da noite avisa que não vem, o médico só passará na próxima semana e, amanhã, é dia de coleta de sangue para exames.
Depois de dois ou três meses ainda havia esperanças de melhora, mas, hoje, já são completados três anos de luta nessa rotina de imprevisões - os mesmos sobressaltos que não deixam ninguém dormir ou descansar, nem se conformar com as constantes surpresas que ninguém jamais sonhou que iria passar.
Uma nomenclatura nova e difícil foi aprendida às pressas, no atacado - um dicionário médico nomeando cada detalhe foi aprendido em casa - bradicardia, rolha de catarro, venoclise, intracate, alimentação parenteral, drenagem vesical, leucopenia, febre central, apnéia, estretores pulmonares, tromboflebite e midríase.
Na família do seu Antenor todos são de uma forma ou de outra prisioneiros dos acontecimentos e das necessidades. Transparece, aos poucos, em cada um deles, os traços da personalidade - que se manifestam em comportamentos individuais - tolerância, rispidez, insegurança, ciúme, desprezo, motivação, indiferença.
Compromissos religiosos e conceitos filosóficos são reavivados - “é preciso manter a fé”; “vamos perseverar”; “deixemos nas mãos de Deus”; “faço o que posso”; “nunca deixei de orar”; “não atrapalhar já é ajudar”; “deixemos por conta da natureza”.
A família de Antenor vive nesses três anos uma experiência coletiva. Resgatam-se valores morais; superam-se diferenças mesquinhas; reforçam-se os vínculos afetivos; Confirmam-se o desprendimento e a doação do sacrifício pessoal.
Enquanto muitos se esforçam para viver cada vez melhor eles aprenderam a se preparar para morrer mais bem preparados.

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