domingo, 22 de março de 2009

Crises Psíquicas - Nas fronteiras da Epilepsia

Nubor Orlando Facure

De maneira geral o leigo reconhece a Epilepsia como uma crise assustadora e repugnante em que o indivíduo desmaia e cai ao solo se debatendo em contrações. A Bíblia faz relatos de crises que atribui a atuações "demoníacas" que lembram as manifestações epilépticas mantendo por milênios confusão e preconceitos. Dostoiewisk e Machado de Assis, portadores de epilepsia, utilizaram-se de protagonistas de seus romances para descreverem suas próprias crises. Vultos ilustres da História tiveram epilepsia mas, para o homem comum , é na sarjeta das ruas que ele costuma tomar contato e se amedrontar com a violência da crise convulsiva.
Embora Hipócrates tenha feito em seus escritos uma brilhante descrição da crise de Grande Mal, indicando o cérebro como o responsável por toda esta sintomatologia, a Epilepsia foi tida como uma doença mental pelos séculos afora e só depois do surgimento da Neurologia no século passado é que a Epilepsia passou a ser compreendida como uma síndrome decorrente de uma lesão orgânica no cérebro.
Hoje se entende a epilepsia como uma descarga elétrica desorganizada que atinge os neurônios cerebrais provocando sintomas correlacionados com a área cerebral afetada.
Embora os relatos mediúnicos do porte de Missionários da Luz ditado pelo espírito André Luiz façam descrições inconfundíveis de sintomatologia epiléptica em seus protagonistas, submissos à interferência espiritual francamente obsessora, a medicina de hoje rejeita qualquer presença espiritual na gênese de crises epilépticas, especialmente pelo temor de ver ressurgir a nefasta participação de "demônios" dos antigos textos bíblicos que a Idade Média e a Inquisição souberam tirar proveito.
Os exames sofisticados de hoje identificam os traumas, as infeções, os tumores e as degenerações entre diversas outras causas de natureza orgânica para a etiologia da Epilepsia, entretanto, nenhum destes exames está apropriado para detectar as vibrações do plano espiritual que nos fariam compreender mais profundamente a natureza essencial do problema da Epilepsia.
Nem sequer de longe pretendemos excluir a gênese cerebral da manifestação epiléptica mas, a visão exclusivamente materialista da Medicina tradicional a envolve de um obscurantismo estúpido que não lhe permite identificar um outro universo de interferência situado na dimensão espiritual que, como causa ou como agravante, interfere na freqüência e na constelação de sintomas que o epiléptico manifesta.
Negando a existência do Espírito a Medicina não consegue enxergar que, através do próprio estudo da Epilepsia ela teria muito o que aprender, Por exemplo, com o que os pacientes epilépticos vivenciam durante as chamadas "crises psíquicas" , nas quais, observa-se uma riqueza de expressão clínica cognitiva, que o simples desarranjo de neurônios em "curto-circuito" não tem argumentos para justificar.
Na classificação das crises epilépticas a Neurologia destaca um tipo de crise chamada de Crise Focal ou Parcial em que não há comprometimento da consciência e a sintomatologia será decorrente do local no cérebro afetado pela descarga neuronal desorganizada. Na área motora o paciente irá apresentar contrações musculares na mão, no braço , na perna ou em qualquer outra parte do corpo correspondente a região motora do cérebro afetado.
Numa área sensitiva os sintomas serão referidos como adormecimentos, sensações estranhas ou deformações no membro atingido.
É no grupo das crises focais que estão incluídas as crises psíquicas, nas quais, o paciente relata sensações subjetivas que experimenta espontaneamente podendo ter duração de minutos, horas ou dias.
As descrições clássicas das crises psíquicas fazem referência mais comumente às crises de "Dejà vú" e de "Jamais vú". Estes dois quadros são reconhecidos como decorrente de lesões na base do cérebro na região dos lobos temporais. No "Dejà vú" (já visto), o paciente relata uma sensação de familiaridade com o ambiente ou com as pessoas mesmo que lhe sejam estranhas e que ele as estejam vendo pela primeira vez. Num local que lhe seja completamente desconhecido o paciente ao ter sua crise sente uma forte impressão de que já conhece ou já estivera naquele lugar.
Na crise de "Jamais vú" (jamais visto) o paciente manifesta sensação de estranheza em lugares conhecidos ou por pessoas da sua convivência.
Ambas situações que descrevemos podem ocorrer ocasionalmente com qualquer pessoa normal, mas, no epiléptico, estas sensações são comumente repetitivas e duradouras.
Muitos epilépticos apresentam crises psíquicas freqüentes mas que tem merecido pouco destaque por parecerem corriqueiras como as mudanças súbitas de humor, um entristecimento súbito ou uma agressividade imotivada e desproporcional que pode beirar à violência.
Neste artigo, estou interessado em relatar outros tipos de crises psíquicas, relativamente raras em que os próprios pacientes tem muita dificuldade em achar termos adequados para descreve-las. Elas merecem ao meu ver um estudo meticuloso procurando-se valorizar as verdadeiras sensações destas experiências subjetivas que os pacientes procuram nos passar, sentindo inclusive, com freqüência, a incredulidade com que a maioria dos médicos manifestam ao ouvi-los.
Os relatos destas crises, à primeira vista parecem inconsistentes, inverosímeis, superficiais, misturando-se com os sintomas da própria ansiedade com que os pacientes convivem quando vítimas deste tipo de crise. Elas podem ser muito demoradas e não tem o caráter ictal de subtaniedade das crises convulsivas. Não há uma afetação da consciência mas sim da percepção de funções complexas como da noção de tempo, do espaço, da realidade, do movimento, da noção do Eu e até do pensamento.
Estas várias sensações ao nível da vivência psíquica do indivíduo, a mim parecem fornecer preciosa observação da fronteira entre as experiências vividas física ou espiritualmente por estes pacientes.
Uns poucos relatos que fizeram estes pacientes, me ajudaram a confirmar que o mundo mental de cada um de nós transita numa dimensão espiritual que transcende a experiência física. Um deles é médico, freqüenta meu consultório desde garoto por ter convulsões decorrentes de neurocisticercose e recentemente procurou-me com uma certa inquietação tentando relatar, ele acompanhado pela esposa que, nos últimos dois dias tinha perdido a capacidade de acompanhar a passagem do tempo. Não era a identificação do tempo das horas ou do dia e da noite. Ele dizia ser uma perda da "noção do tempo". Os acontecimentos processavam-se na sua mente e quando ele se dava conta estes acontecimentos já tinham acabado de ocorrer.
Ao dirigir-se para seu consultório conduzindo seu carro pela estrada, fazia as curvas, mas sempre com a idéia de que isto não lhe tomava tempo, porque ocorria na sua mente, literalmente falando, antes de acontecerem fisicamente. O que tinha em mente, do trajeto que percorria, não era uma imaginação, era o próprio acontecimento . Dizia que não lhe fazia sentido o antes ou o depois porque tudo que ocorria em seqüência ele vivenciava ocorrendo simultaneamente.
Sua esposa o ajudava como auxiliar de anestesia e na entrevista me contava que apesar de permanecer o tempo todo com estas sensações que descrevia ele procedia normalmente enquanto anestesiava seus pacientes, apenas dizia que, toda atitude que tomava já lhe parecia ter ocorrido não como uma premunição mas como um acontecimento "já feito" , se assim podemos dizer por ele, e, ao terminar a anestesia, para sua mente, os fatos lhe pareciam continuar acontecendo.
A neurologia descreve, também, um estado de crise psíquica em que o paciente tem a sensação constante de estar vivendo um sonho. É chamado de "Dreamy States" pelos clássicos.
Tivemos dois pacientes que nos relataram episódios em que sentiam uma alteração no que eles chamavam de "realidade". Uma jovem senhora referia que estas sensações a perturbavam há anos. Principalmente a noite e se estivesse perto de muitas pessoas. Isto a deixava insegura. Parecia fazer as coisas por instinto. Insistia em dizer que nas crises tinha a sensação de estar vivendo em um "estágio antes da realidade".
Um outro paciente com crises semelhantes acrescentava que também tinha a impressão de "não estar vivendo a realidade" e, tudo que fazia, para ele, "não tinha conteúdo emocional".
Duas crianças e dois adultos jovens que já acompanhávamos por antecedentes de convulsões, nos relataram episódios percepção alterada no movimento dos objetos e do próprio pensamento.
Ouvi deles expressões do tipo: "Os movimentos das coisas e das pessoas parecem acelerados"; "quando estendo as mãos para pegar um objeto parece que meus gestos são muito rápidos"; "as pessoas atravessam a rua muito depressa"; "fica difícil atravessar a rua com os carros todos correndo"; "tudo ao redor parece estar acelerado"; "as pessoas parecem falar muito rápido". Um dos garotos dizia ser acordado pela crise. Para um deles, o seu próprio pensamento, quando em crise, parecia ser acelerado.
Nestas horas ele evitava o diálogo com receio de demonstrar aos outros alguma perturbação. Um destes pacientes, com 23 anos é pintor e dizia que nas crises sentia que tudo se passava lentamente, seus próprios gestos ao lidar com o pincel lhe parecia ser feito em camera lenta embora os seus colegas não confirmassem esta vagaresa. Ele se sentia assim por mais de uma semana seguida entrando e saindo das crises sem qualquer motivo aparente.
Uma senhora que também acompanhávamos por ter desmaios, tinha um eletrencéfalo com alterações focais no hemisfério esquerdo e uma tomografia cerebral típica de neurocisticercose. Ela contava que vinha tendo episódios em que parecia se deslocar, se sentia estar muito longe, "como se num outro mundo", "ocupando um outro espaço". Estes episódios duravam 20 minutos e a seguir, mantendo-se sempre muito lúcida, ela sentia a cabeça vazia, ficava pálida e ofegante.
Outros quadros, mais complexos e as vezes muito elaborados, tem sido rotulado como alucinatórios e comumente relacionados com as disritimias do lobo temporal ou as patologias do sono.
Alguns pacientes se dizem sentir fora do corpo, sensação que a neurologia chama de “despersonalização”. Para outros, os objetos que vêem ou os sons que ouvem, estão aumentados, diminuídos ou distorcidos. As vezes, há uma concentração de cenas e episódios memorizados e o paciente, num relance, recapitula toda sua existência. Dá-se o nome de “visão panorâmica” da vida.
Tivemos, entre muitos outros, o caso de uma garota de 9 anos, que nos consultava devido manifestações comuns de epilepsia. Ela nos relatou que por algumas ocasiões, estando absolutamente desperta, se sente saindo do seu corpo em completa lucidez. Numa destas últimas crises estava sentada no sofá, assistindo televisão, quando, subitamente, se vê de pé, ao lado do corpo físico. Questionei sobre seus medos nesta hora e qual sua atitude ao se ver nesta duplicidade.
Ela respondeu-nos com muita simplicidade que assustada procurou se dirigir para perto da televisão para ver se o seu corpo ali sentado a acompanhava.
Os quadros que descrevemos acima não surpreenderiam a qualquer neurologista habituado a atender casos de epilepsia. Seguramente serão atribuídos à presença de distúrbio da atividade neuronal especialmente do lobo temporal e a maioria deles vai se ver livre destas crises com medicação disponível para atuar especificamente nas disritimias desta região.
É curioso, entretanto, que, estas descrições, ao relatarem como estes pacientes vivenciam ou "decodificam" a noção do sentido do tempo, da apreensão da realidade, da relação espaço-tempo no deslocamento dos objetos, da síntese e projeção do pensamento, nos permite despretensiosamente conjeturar uma série de semelhanças com certas descrições não acadêmicas na literatura espiritualista.
Os textos especializados em descrições sobre técnicas de meditação, Por exemplo, revelam que os "grandes mestres" e "místicos" que atingem os graus mais profundos de interiorização da consciência , fazem interessantes descrições em relação ao sentido do tempo, ao espaço ocupado pela matéria, à velocidade das partículas de matéria/energia que sintonizam, bem como, o turbilhão do fluxo do pensamento descrições estas que a meu ver tem correspondência muito provocativa com as dos epilépticos que aqui registramos.
Para nós espíritas, os conceitos de tempo no mundo espiritual, de espaço na dimensão extra-física, de projeções do pensamento, de deslocamento do corpo espiritual podem ser facilmente reconhecidos nesta serie de estórias que registramos. As lesões objetivas que a massa cerebral evidencia nestes quadros são para mim, nada mais que portas de intercessões entre as duas dimensões, a expressão física de uma realidade que o corpo nos permite palpar e a percepção espiritual que vivenciamos sem os sentidos perceberem.

2 comentários:

  1. Dr. Nubor, que alegria para mim ler seu texto e ter novos esclarecimentos sobre o que sinto.
    Que Jesus o abençoe!
    Daiane

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  2. Querido Dr Nubor:
    Tive alguns puxões na bochecha esquerda repetidadmente e então meu clinico encaminhou para o neuro.Este pediu um EEG de rotina e a conclusão foi "atividade epileptogênica temporal esquerda".O neuro garantiu que posso nunca vir a ter realmente uma crise de epilepsia e conjuntamente com o que ele falou,ouvi de um espírito amigo que me acompanha há anos que esta espécie de curto circuito cerebral em médiuns é comum.Como ouvi em intuição deste espírito amigo(e se não era o espirito amigo mas algum obsessor?) mas nunca li a respeito,fico em dúvida da veracidade.O sr tem alguma notícia há este respeito?
    repsempre@yahoo.com.br
    http://praticamusicaltodASartes.blogspot

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