Reclamar da memória, é justo, ou
seria uma ingratidão?
Nubor Orlando Facure
A mulher entra na farmácia e
percebe que esqueceu o nome do creme que ia comprar. O homem chega em casa sem
as frutas que a esposa pediu. O motorista é multado por ter esquecido a
carteira de habilitação em casa. O estudante não pôs na mochila o livro de geografia, seu assunto da
aula de hoje. Falhas das memórias ocorrem em todas idades e nas circunstâncias
de maior constrangimento.
Na verdade, nossas memórias são
injustiçadas, já que elas fazem um dos
maiores milagres de biotecnologia. Senão vejamos:
1 – “Uma única palavra” nos faz
recuperar pacotes de informações.
Vamos aos exemplos:
Acaba de parar um carro na porta de
casa. Qual a cor? Vermelho - é da minha
esposa, não se preocupe, ela tem a chave da porta
2 – A informação que nos chega não
precisa ser completa, basta “um simples fragmento” para nos permitir lembrar:
Um paciente deixou um exame de
tomografia cerebral no meu consultório. Difícil, a vezes, lembrar detalhes do
seu quadro clínico. Nisso, minha secretaria me diz – é aquele loirinho com uma
tatuagem no braço – foi o suficiente para saber quem era
3 – As pequenas “pistas” numa frase
ou num acontecimento podem desencadear lembranças verdadeiras e surpreendentes
Dona Clara passou o dia em casa
falando dos antigos parentes do interior. Não foi fácil juntar os fragmentos e
lembrar quem é quem. Nossa tia Janete teria mudado para Botucatu. Foi o
suficiente para muita gente voltar em cena nas minhas lembranças – a mudança
para Botucatu mexeu com muitos parentes ligados a nós todos
4 - Conservamos “esquemas” duradouros
Esquemas - é o que conhecemos sobre
um ambiente
Somos capazes de lembrar de
esquemas aprendidos uma única vez: o que é, por exemplo, uma livraria, um
açougue ou uma farmácia cada um desses lugares tem uma determinada organização
– um esquema que as caracteriza – e nosso cérebro não esquece nunca deles –
logo que entro já percebo que estou na farmácia favorita ou na minha livraria
preferida
5 – Seguindo um “Script”
Desde cedo aprendemos a desenvolver
rotinas – chamamos de script – quando vamos na escola nos dirigimos para nossa
sala de aula, no restaurante procuramos uma mesa confortável e esperamos o
garçom para fazer nosso pedido, na livraria vamos até à estante de revistas situada
mais ao fundo para saber das novidades – repetimos esse script sem nunca
esquecer seus detalhes
6 – Conexões de “redes”
Nossa memória tem uma organização
em redes – ela pode funcionar de forma serial ou paralela
Vou resolver um problema de
matemática – sigo uma sequência em série – expondo uma proposição depois da
outra
Preciso lembrar de exemplos de
animais com hábitos noturnos – vou fazendo uma busca em várias direções como um
sistema em paralelas
7 – “Uma coisa leva à outra”
Chegou o Carnê do IPTU, isso me
lembra que tenho de conferir meu saldo no Banco
8 – A memória funciona corretamente
“mesmo quando recebemos “uma informação errada”
A encomenda da loja chegou. Na
verdade quem chegou foi a costureira que vai tomar minhas medidas
Sua consulta foi marcada para a
próxima terça-feira. Na verdade meu exame de Tomografia
Seu Renato esteve aqui e lhe deixou
um bilhete – não era bem o Seu Renato, era o funcionário dele que eu esperava
9 – A memória funciona corretamente
mesmo “quando está faltando parte da informação”
Preciso reajustar meu celular, lá
na Loja do Shopping tem um rapaz que sempre me atende – só não me lembro como
ele se chama, mas, a loja eu me lembro bem onde fica
10 – Temos memórias que exigem “repetição
insistente para que ela não se apague” é o caso da música – exige anos de
dedicação e treinamento sem descanso e ela não perdoa o abandono. A música
ocupa todo o cérebro para sua execução, por isso é difícil memoriza-la
11 – Temos memórias que “basta uma
vez para nunca mais ser esquecida” - um cheiro forte como do “Thinner”, o ardor
terrível da picada de abelha, o gosto amargo do jiló ou a visão asquerosa da
aranha caranguejeira
12 – Temos memórias que “não
precisam de palavras” – guardamos para sempre suas imagens indescritíveis – quem
não se lembra dos fogos de artifícios na passagem de ano em Florianópolis ?, da
Lua cheia na praia de Itapema? Ou do por do Sol na Serra da Canastra?
Como se percebe, nossa memória é
plural, são tantas e tão importantes que muitas vezes não sei se Eu sou elas ou
se são elas que sou Eu