sábado, 25 de janeiro de 2014

Reclamar da memória é justo, ou seria uma ingratidão?

Reclamar da memória, é justo, ou seria uma ingratidão?
Nubor Orlando Facure

A mulher entra na farmácia e percebe que esqueceu o nome do creme que ia comprar. O homem chega em casa sem as frutas que a esposa pediu. O motorista é multado por ter esquecido a carteira de habilitação em casa. O estudante não pôs na  mochila o livro de geografia, seu assunto da aula de hoje. Falhas das memórias ocorrem em todas idades e nas circunstâncias de maior constrangimento.

Na verdade, nossas memórias são injustiçadas, já que elas  fazem um dos maiores milagres de biotecnologia. Senão vejamos:

1 – “Uma única palavra” nos faz recuperar pacotes de informações.
Vamos aos exemplos:
Acaba de parar um carro na porta de casa. Qual a cor? Vermelho -  é da minha esposa, não se preocupe, ela tem a chave da porta

2 – A informação que nos chega não precisa ser completa, basta “um simples fragmento” para nos permitir lembrar:
Um paciente deixou um exame de tomografia cerebral no meu consultório. Difícil, a vezes, lembrar detalhes do seu quadro clínico. Nisso, minha secretaria me diz – é aquele loirinho com uma tatuagem no braço – foi o suficiente para saber quem era

3 – As pequenas “pistas” numa frase ou num acontecimento podem desencadear lembranças verdadeiras e surpreendentes
Dona Clara passou o dia em casa falando dos antigos parentes do interior. Não foi fácil juntar os fragmentos e lembrar quem é quem. Nossa tia Janete teria mudado para Botucatu. Foi o suficiente para muita gente voltar em cena nas minhas lembranças – a mudança para Botucatu mexeu com muitos parentes ligados a nós todos


4 - Conservamos “esquemas”  duradouros
Esquemas - é o que conhecemos sobre um ambiente
Somos capazes de lembrar de esquemas aprendidos uma única vez: o que é, por exemplo, uma livraria, um açougue ou uma farmácia cada um desses lugares tem uma determinada organização – um esquema que as caracteriza – e nosso cérebro não esquece nunca deles – logo que entro já percebo que estou na farmácia favorita ou na minha livraria preferida

5 – Seguindo um “Script”
Desde cedo aprendemos a desenvolver rotinas – chamamos de script – quando vamos na escola nos dirigimos para nossa sala de aula, no restaurante procuramos uma mesa confortável e esperamos o garçom para fazer nosso pedido, na livraria vamos até à estante de revistas situada mais ao fundo para saber das novidades – repetimos esse script sem nunca esquecer seus detalhes

6 – Conexões de “redes”
Nossa memória tem uma organização em redes – ela pode funcionar de forma serial ou paralela
Vou resolver um problema de matemática – sigo uma sequência em série – expondo uma proposição depois da outra
Preciso lembrar de exemplos de animais com hábitos noturnos – vou fazendo uma busca em várias direções como um sistema em paralelas

7 – “Uma coisa leva à outra”
Chegou o Carnê do IPTU, isso me lembra que tenho de conferir meu saldo no Banco

8 – A memória funciona corretamente “mesmo quando recebemos “uma informação errada”
A encomenda da loja chegou. Na verdade quem chegou foi a costureira que vai tomar minhas medidas
Sua consulta foi marcada para a próxima terça-feira. Na verdade meu exame de Tomografia
Seu Renato esteve aqui e lhe deixou um bilhete – não era bem o Seu Renato, era o funcionário dele que eu esperava

9 – A memória funciona corretamente mesmo “quando está faltando parte da informação”
Preciso reajustar meu celular, lá na Loja do Shopping tem um rapaz que sempre me atende – só não me lembro como ele se chama, mas, a loja eu me lembro bem onde fica

10 – Temos memórias que exigem “repetição insistente para que ela não se apague” é o caso da música – exige anos de dedicação e treinamento sem descanso e ela não perdoa o abandono. A música ocupa todo o cérebro para sua execução, por isso é difícil memoriza-la

11 – Temos memórias que “basta uma vez para nunca mais ser esquecida” - um cheiro forte como do “Thinner”, o ardor terrível da picada de abelha, o gosto amargo do jiló ou a visão asquerosa da aranha caranguejeira

12 – Temos memórias que “não precisam de palavras” – guardamos para sempre suas imagens indescritíveis – quem não se lembra dos fogos de artifícios na passagem de ano em Florianópolis ?, da Lua cheia na praia de Itapema? Ou do por do Sol na Serra da Canastra?


Como se percebe, nossa memória é plural, são tantas e tão importantes que muitas vezes não sei se Eu sou elas ou se são elas  que sou Eu

domingo, 19 de janeiro de 2014

A sala de Santa Agnes

A sala de Santa Agnes
Nubor Orlando Facure


Isoladas das demais pacientes, as claudicantes, as paralíticas, as dementes e as epilépticas, a sala de Santa Agnes abrigava as famosas histéricas do Professor Charcot, pai da neurologia francesa.
Nas suas aulas de demonstrações teatrais a figura majestosa de Charcot impunha admiração e respeito a um seleto grupo de assistentes: Babinsky, Dejenrine, Pierre-Marrie, Pierre Janet, Freud e, um dos seus alunos mais promissores – o Dr. Axel Munthe, com pouco mais de 24 anos, cuja genialidade chamava a atenção do mestre da Salprêtrière.
O jovem e talentoso assistente era habilidoso em hipnose e nas últimas semanas estava envolvendo-se com uma das pacientes da enfermaria de Santa Agnes. Ele prometera aos pais de Geneviève, na época com 20 anos de idade, que iria resgata-la das mãos do Professor Charcot para que ela voltasse a vilazinha da Normandie onde poderia trabalhar no sítio dos pais que, agora idosos, não suportavam mais as lides do campo.
Geneviève tornara-se publicamente famosa, acabava de ser capa de uma revista – Le rire - era uma das estrelas mais requisitadas nas famosas reuniões de terça-feira, orientadas por Charcot para suas demonstrações dos quadros histéricos, ali, Geneviève  revelava suas contorções e gesticulações convulsivas.
Alex Munthe consegui autorização para trabalhar com a jovenzinha da Normandie iniciando um processo de sugestão pós-hipnótica. Ele introduzia paulatinamente a ideia de que Geneviève deveria encontra-lo em sua clínica e  revelasse o desejo de voltar a sua aldeia com os seus pais.
No início as sugestões pareciam que estavam sendo acolhidas, mas, a fuga não pode ser concretizada sendo a trama descoberta pelo Professor Charcot.
 Repreendido em seu gabinete, o Professor Charcot, despediu da sua clínica o jovem talentoso Axel Munthe com uma frase tonitroante:  Assez, monsieur!

P.S – Adaptado do livro de Hermínio Miranda: As mil faces da realidade espiritual

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Mas, pedir o quê ?

Mas, pedir o quê ?
Nubor Orlando Facure

      Isabela me consulta desde que nasceu. Há 9 anos vem me ver no colo da mãe. É uma menina que tem 6 a 7 convulsões por dia, as vezes tem só uma piscação, ou torce a cabecinha, outras vezes apenas fica pálida ou molinha como uma boneca de pano. Quando chega, eu falo alto seu nome para ela me reconhecer, seu corpinho imediatamente estremece e ela solta uns grunhidos abrindo um bocão enorme com a língua saindo e entrando mostrando os dentes perfeitos. A mãe diz que ela está rindo para mim eu aqui por dentro me esforçando para não chorar.
     
      Mariana foi adotada quando nasceu. A mãe biológica usuária de drogas era aidética. Vejo mensalmente essa menina de 13 anos, estirada na cadeira de rodas que se espicha como um berço. Seu fígado está em frangalhos devido as altas doses do coquetel. Todo mês temos de rever seus exames, devido mais uma febre que se repete insistentemente. Estou medicando para controlar suas convulsões há mais de 4 anos e nunca tivemos como controlá-las completamente. Mariana não fala, nem precisa, a gente nota nos seus trejeitos, no seu sorriso torto, nos seus gritos agitados quando ela está feliz.
     

      Não peço para as duas nem saúde nem sabedoria. Elas são felizes ao seu modo e desse jeito mesmo foram capazes de nos escravizar ao seu amor inocente

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Sugestão de um Protocolo no Centro Espírita

Sugestão de um “Protocolo” para quem procura o Centro Espírita em razão do seu sofrimento:
Nubor Orlando Facure

1 – O Espiritismo não tem como finalidade produzir milagres ou fenômenos extraordinários. Ele é uma Ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal . Tornar-se espírita pressupõe-se seu estudo metódico e persistente das suas obras básicas codificadas por Allan Kardec
2 – Nossos sofrimentos de hoje podem estar relacionados com nossos procedimentos em vidas anteriores e a atual encarnação é uma oportunidade abençoada de resgate dos nossos compromissos com o passado
3 – Somos Almas em processo evolutivo e depende do nosso esforço pessoal o maior ou menor progresso em nossa evolução
4 – O Espiritismo sugere para nossa melhoria pessoal a reforma íntima e a instrução sobre seus princípios doutrinários
5 –Independente do grau de conhecimento ou experiência na doutrina espírita, é regra geral para todos, um código de conduta moral.
 6 -  A Doutrina Espírita considera que a Humanidade recebeu nos ensinamentos e  exemplos de Jesus nosso mais elevado roteiro de conduta moral
7 – Somos todos Espíritos vivendo uma nova existência como encarnados.  Estamos, por isso,  sujeitos a vicissitudes tanto do mundo físico carnal como do mundo espiritual
8 – Compreende-se, portanto, que devemos adotar métodos e cuidados preventivos tanto para as doenças físicas como as espirituais. Jesus nos instruiu a orar e a vigiar
9 – Não devemos conviver com acusações que outros possam nos fazer, nem culpa que inadivertidamente podemos alimentar. Esses termos podem ser trocados por resgates e compromissos
10 – Muitos  sentem-se aliviados quando ouvem no Centro Espírita que seu problema é espiritual – é um engano achar que são os Espíritos os causadores do nosso sofrimento. Por princípio somos nós mesmos quem os atraímos nos cumpliciando ou endividando com eles
11 – O Centro Espírita não é um Hospital, mas, deve oferecer alívio a todos que sofrem do corpo ou da Alma
12 – O Centro Espírita não é uma escola, mas, deve organizar seriamente o estudo sistematizado da Doutrina Espírita
13 – O Centro Espírita não é uma organização de assistencialismo, mas, deve organizar para seus frequentadores a oportunidade do trabalho de caridade em benefício dos necessitados
14 – O Entrevistador ou qualquer membro do Centro Espírita que se envolver no tratamento dos sofredores encarnados ou desencarnados devem ter a humildade de se considerarem, também, em processo de tratamento, portanto, devem ser os primeiros a exemplificarem os códigos morais ensinados por Jesus
15 – Diante de pessoas desequilibradas ou ansiosas, em pânico ou em depressão, com crise convulsivas ou histéricas é comum no Centro espírita o mesmo diagnóstico: é mediunidade você precisa se desenvolver, é “encosto”, ou obsessão. Esses diagnósticos gratuitos devem serem evitados. A orientação deve caminhar cautelosamente até que o tempo e a ajuda dos dirigentes mais experimentados possam concluir por uma definição mais clara para cada quadro