O Cérebro e seus “esquemas”
Nubor Orlando Facure
1 – O esquema das recordações
Recordações – como fazemos o resgate?
Domingo nossa família sai para almoçarmos juntos – quase sempre no mesmo restaurante do Shopping, somos conservadores e pouco exigentes no paladar.
O que nos fica dessas lembranças, como recordar desses encontros?
Tanto para um episódio de nossas vidas como para uma história que nos contam, nossa mente cria um “script” e uma “moldura”. O script é o roteiro, contem informações sobre a seqüência habitual dos eventos. Lida com o conhecimento prévio que temos sobre esses eventos e as conseqüências desses eventos – é a data do encontro, o nome do restaurante que já nos é familiar e as pessoas presentes. A moldura é preenchida por aspectos do mundo – o prédio do Shopping, o salão do Restaurante, seu piso, a mesa onde estão os pratos.
O que fica desses encontros? A mente é estruturada para guardar tudo que sou, tudo que vi, tudo que fiz e tudo que vivi intensamente.
2 - Esquemas da Mente
O Mundo precisa se visto dentro de um sistema organizado. Seus elementos precisam ser reconhecidos dentro de categorias específicas que reconhecemos pelas suas qualidades:
Vegetais, animais, seres humanos, amigos e parentes, comida saborosa, ambiente perigoso, lugar longe, pedra valiosa, roupa bonita etc.
Fora disso é confusão e loucura. Não posso “misturar estação” – quando falo amigo o louco entende inimigo quando ofereço água ele foge ou agride.
3 – Os esquemas da memória
A memória é uma coleção de esquemas. Na verdade um arquivo de “telas mentais” com script e molduras. Quando digitamos a tecla do “expandir” a tela memorizada adquire a dinâmica das recordações.
4 – Esquemas da Linguagem
Há diferenças individuais nos processos usados na compreensão da linguagem
A – Memória de trabalho – é um sistema usado no armazenamento e no processamento de informações.
B – Span (alcance) de leitura – é a capacidade de reter a última palavra de uma sentença
C – Span de operações matemáticas
D – Capacidade sintática e semântica
E – Atenção mais eficiente
F – Capacidade de suprimir informações indesejáveis ou irrelevantes
5 – Os esquemas das Lembranças
Invente uma história sobre uma casa – onde ela fica; quem mora lá; o número de funcionários que lá trabalham; seus cômodos; seu possível valor de venda; quando ela foi construída.
Conte essa história para um assaltante e depois para um possível comprador. Cada um constrói mentalmente uma simulação perceptual das situações descritas em cada sentença e suas lembranças vão corresponder a essa simulação.
6 – Os esquemas da comunicação
Lidamos com algumas propriedades da linguagem para nos comunicar – isso é tão rotineiro que nem nos damos conta do processo que utilizamos na comunicação – usamos metáforas; linguagem figurada; ambigüidades e inferências. Vamos a alguns exemplos:
Metáforas – “meu emprego é uma prisão”; “David abotoou o paletó”; “a proposta dele não colou”
Linguagem figurada – “Essa sogra é fogo”; “lavando a roupa suja”
“essa prova é café pequeno”
Ambigüidades – “os dois advogados são casados” (um com o outro?); “ dentista extraiu um dente”(dele ou do cliente?
Inferências – “Ele dirigiu até São Paulo ontem. O carro continua esquentando muito” A inferência é de que ele foi para São Paulo de carro.
“Enquanto conversávamos, ele mexia seu café” – A inferência é que ele conversava comigo e mexia o café com uma colher.
“O marido zangado atirou o vaso contra a parede” – Inferimos que ele brigava com a mulher e que o vaso quebrou.
As inferências são informações contidas na memória de trabalho – conhecimento prévio mobilizado pela memória de trabalho.
sábado, 21 de novembro de 2009
domingo, 15 de novembro de 2009
Linguagem - para que serve?
Nubor Orlando Facure
1 - O ser humano tem capacidade de perceber e transformar o percebido em símbolos - esse é um dos fundamentos da linguagem. Ela nos permite prover uma maneira eficiente de representar o nosso conhecimento sobre o mundo. Com ela fazemos nossas previsões, organizamos nossas idéias e criamos nosso sonhos.
2 - “A linguagem é um sistema de símbolos e regras que nos permite a comunicação”
3 - Podemos identificar várias funções para a linguagem: comunicar (não se esqueça do nosso encontro amanhã), pensar (preciso resolver esse problema), registrar informação (já guardei sei telefone), expressar emoção (esse barulho me assusta), fingirmos ser um animal (imitando o miado do nosso gatinho), expressar identidade com um grupo (cantar num coral).
3 - A linguagem se expressa em quatro habilidades principais - ouvir, ler, falar e escrever. O ideal é termos a quatro competências bem desenvolvidas, mas isso, na prática nem sempre ocorre harmonicamente. A diversidade entre as pessoas é muito grande, fica mais evidente quando tentamos aprender uma outra língua. Percebemos facilmente como o nosso Inglês ou Francês é cheio de erros e ouvimos melhor se o interlocutor fala mais devagar e nem sempre conseguimos escrever com a mesma facilidade que falamos.
4 - Um dilema lingüístico importante estuda se o pensamento faz a linguagem ou a linguagem constrói o pensamento. É fácil percebermos que o pensamento que temos sobre as coisas influencia muito fortemente nossa linguagem - os árabes tem mias de 100 nomes para o camelo, com quem convivem à milênios no deserto e os povos filipinos tem 92 nomes diferentes para os diversos tipos de arroz que cultivam. Para alguns autores a categorização e memória das cores são universais não variando com a língua - teríamos, em todas as línguas, onze termos básicos para cores - branco, preto, vermelho, amarelo, azul, verde, marrom, roxo, cor-de rosa, laranja e cinza.
5 - A linguagem escolhe a cor - criação mental indiscutível - e também determina as descrições que fazemos dos outros - o que é um artista para um inglês? - alguém de humor instável, temperamento intenso e estilo de vida boêmio. Essa descrição em nada confere quando pedimos para um chinês descrever o seu artista preferido, por exemplo do circo chinês.
6- As noções de espaço e de tempo são universais,mas, a linguagem para expressar esses conceitos varia muito. Pergunte em Minas Gerais - onde fica a sua casa? - “é logo ali” - e a um inglês - à que horas passa o próximo trem? “ as onze e vinte e três” - pode conferir - a exatidão é impecável.
Nubor Orlando Facure
1 - O ser humano tem capacidade de perceber e transformar o percebido em símbolos - esse é um dos fundamentos da linguagem. Ela nos permite prover uma maneira eficiente de representar o nosso conhecimento sobre o mundo. Com ela fazemos nossas previsões, organizamos nossas idéias e criamos nosso sonhos.
2 - “A linguagem é um sistema de símbolos e regras que nos permite a comunicação”
3 - Podemos identificar várias funções para a linguagem: comunicar (não se esqueça do nosso encontro amanhã), pensar (preciso resolver esse problema), registrar informação (já guardei sei telefone), expressar emoção (esse barulho me assusta), fingirmos ser um animal (imitando o miado do nosso gatinho), expressar identidade com um grupo (cantar num coral).
3 - A linguagem se expressa em quatro habilidades principais - ouvir, ler, falar e escrever. O ideal é termos a quatro competências bem desenvolvidas, mas isso, na prática nem sempre ocorre harmonicamente. A diversidade entre as pessoas é muito grande, fica mais evidente quando tentamos aprender uma outra língua. Percebemos facilmente como o nosso Inglês ou Francês é cheio de erros e ouvimos melhor se o interlocutor fala mais devagar e nem sempre conseguimos escrever com a mesma facilidade que falamos.
4 - Um dilema lingüístico importante estuda se o pensamento faz a linguagem ou a linguagem constrói o pensamento. É fácil percebermos que o pensamento que temos sobre as coisas influencia muito fortemente nossa linguagem - os árabes tem mias de 100 nomes para o camelo, com quem convivem à milênios no deserto e os povos filipinos tem 92 nomes diferentes para os diversos tipos de arroz que cultivam. Para alguns autores a categorização e memória das cores são universais não variando com a língua - teríamos, em todas as línguas, onze termos básicos para cores - branco, preto, vermelho, amarelo, azul, verde, marrom, roxo, cor-de rosa, laranja e cinza.
5 - A linguagem escolhe a cor - criação mental indiscutível - e também determina as descrições que fazemos dos outros - o que é um artista para um inglês? - alguém de humor instável, temperamento intenso e estilo de vida boêmio. Essa descrição em nada confere quando pedimos para um chinês descrever o seu artista preferido, por exemplo do circo chinês.
6- As noções de espaço e de tempo são universais,mas, a linguagem para expressar esses conceitos varia muito. Pergunte em Minas Gerais - onde fica a sua casa? - “é logo ali” - e a um inglês - à que horas passa o próximo trem? “ as onze e vinte e três” - pode conferir - a exatidão é impecável.
domingo, 8 de novembro de 2009
Memórias? Não dá para acreditar nelas
Nubor Orlando Facure
1 - O que é memória?
A maioria das pessoas pensa na memória como um talento mal distribuído e não há quem não queira aumentar suas habilidades. Memória, na verdade, precisa ser dita sempre no plural, “memórias”. Temos vários tipos de memória e em várias situações elas estão envolvidas de uma maneira que nem sempre suspeitamos. Existe uma fisiologia da memória que ainda é pouco divulgada, iremos falar sobre algumas dessas particularidades.
Damos pouca importância às falhas e traições que as memórias nos pregam, não temos o menor pudor em acreditar numa memória falsa desde que seja de nossa autoria, e, o que mais nos incomoda, são os esquecimentos inoportunos.
A memória é uma “reconstrução” e não uma “reprodução“ . A cada vez que descrevemos um evento que testemunhamos, o fazemos de modo diferente. Estamos sempre reescrevendo a história e, é nosso estado de humor quem mais interfere nessa descrição.
2 - Teoria da Interferência - uma memória empurra a outra
Vários testes confirmam que ao retermos uma informação, sofremos a interferência do que nos acontece antes ou depois dessa informação. Um exemplo simples:
Vamos testar sua capacidade de reter uma lista de palavras – informo antes que serão nomes de frutas, essa informação prévia distorce claramente o resultado
Agora apresento dez nomes de flores e a seguir leio um texto onde são citadas inúmeras flores. Você ficará confuso com a mistura de nomes.
Você assiste a uma aula de literatura espanhola. Uma hora depois, a aula seguinte é de literatura francesa. Uma semana depois você percebe que sua memória mistura o conteúdo de uma e outra aula.
3 – A memória inclui as sensações e principalmente as percepções. Quando vejo um objeto tenho uma sensação visual, mas, se eu sei o que é, acrescento uma percepção consciente – isso está ligado ao meu conhecimento prévio. A percepção e o conhecimento reforçam a memória. Saber o que estou vendo me facilita lembrar disso depois. Ou, dito em outros termos: para que eu me lembre de você é melhor que eu saiba quem és.
4 – A percepção de um objeto inclui o espaço, o ambiente em torno do objeto, ampliando nossa capacidade de retenção. É bom prestarmos atenção nos detalhes do entorno do objeto que queremos fixar na memória. É por isso que nossa memória visual é mais competente que a memória auditiva. O volume de informações detectados pela visão é muito maior que pela audição.
5 – A memória no retrato rouba a cena
Nas lembranças da formatura recordo-me, ainda, de alguns colegas, do abraço afetuoso do paraninfo na entrega do diploma e da orquestra que tocava no baile daquela noite de dezembro. Dois ou três fotógrafos registravam cada cena.
Fato semelhante ocorre com as festas de casamento das duas filhas. Lembro-me do momento em que assinei documentos, da mesa onde me assentei, e de um ou outro convidado. Foram momentos que os fotógrafos se esmeravam em fixar.
Passam-se os anos e, vez por outra, as fotos são mostradas para alegria de amigos e parentes que testemunharam ao vivo essas cenas.
Agora, nas minhas lembranças, ficaram muito mais as imagens retratadas do que o cenário que participei nos dias de cada uma dessas festas tão importantes para mim. As cenas reais praticamente apagaram-se das minhas memórias, as dos retratos não, elas estão melhor fixadas e até com certa precisão que não tinha notado nas festas.
A explicação é fácil. As cenas vividas só ocorreram uma vez e das imagens dos retratos foram vistas várias vezes e em diferentes ocasiões, justificando porque, hoje, cada festa está mais fixadas nas imagens dos retratos do que nas cenas que participamos na realidade. A Teoria da interferência, também, justifica parte dessa troca. Devemos viver cada momento com grande intensidade e de maneira saudável porque elas ocorrerão uma única vez e os retratos vão dar outra versão à realidade vivida.
7 – A amnésia da infância
Um exercício que cada um de nós pode fazer é tentar lembrar da memória mais precoce que tem. Uma queda aos 4 anos, um susto com um animal que o ameaçou no aniversário de 5 anos ou a morte do pai aos 3 anos.
É possível termos memória de episódios da vida só a partir dos 3 anos de idade. Nessa ocasião está presente nosso aparelho psíquico constituindo o “Self“. A criança já sabe o que é dela (o seu carrinho ou o seu chinelinho) e consegue ver, no espelho, uma fita no seu cabelo, os óculos que experimenta e o baton que foi passado nos lábios. Aquilo que está no espelho ela sabe que, também está nela.
É provável que muitas dessas memória precoces tenham uma mistura de verdades e falsidades involuntárias. È possível que relatos da mãe ou de outros familiares que repetem façanhas da criança acabem fixando memórias fantasiosa, parcialmente verdade e fantasia.
8 – A memória do amanhã
Sempre que falamos de memória pensamos em lembranças de coisas ou acontecimentos já ocorridos. A memória à primeira vista está ligada ao passado. Isso não é inteiramente verdadeiro. A memória do futuro, do que eu vou fazer amanhã é extremamente importante. Esse tipo de memória tem pouco conteúdo de informação, quase sempre eu preciso apenas lembrar de cumprir compromissos. Ela está ligada ao tempo, por exemplo, quando tenho um encontro para as 5 horas da tarde. Está, de outras vezes, presa ao espaço, na minha ida ao supermercado quando tenho de comprar margarina.
A memória do amanhã me torna mais ou menos respeitável pela minha capacidade de cumprir as promessas que fiz ontem.
9 – A memória sobrescrita
Essa é outra forma na qual a Teoria da interferência parece se revelar adequada. Muitas pessoas tem o hábito de escrever seu diário. Mais freqüentemente são adolescentes que pensam registrar acontecimentos que o afetaram emocionalmente. E é esse colorido emocional quem afeta a precisão das memórias ali registradas. Uma vez escrito o diário, fica ali um registro do acontecimento descrito, com as imprecisões naturais e a opinião pessoal que o escritor teve do momento relatado. Algum tempo depois esse texto pode ser relido quantas vezes se desejar. Com isso ficará impresso uma memorização mais condizente ao texto e cada vez mais distante do acontecimento real. O diário cria um novo evento interferindo na memória inicial do fato.
10 - A memória de Instantes
A queda do muro de Berlim, o assassinato do presidente Kennedy, a destruição das Torres Gêmeas, foram acontecimentos que abalaram a opinião pública internacional. A emoção é tão forte que fixa em nossas memórias o instante preciso em que fomos informados dessas notícias. Será que esse tipo de acontecimento ocupa algum lugar especial no cérebro ou utiliza algum mecanismo diferente para se fixar?
O que parece mais provável é que essas notícias são repetidas à exaustão pela mídia e é simplesmente o processo de repetição que não nos permite esquecê-las. Os mecanismos são os mesmos, e o que as fixa é a recitação frequente.
11 - Testemunha ocular
Eu me lembro de ter visto vários parentes no casamento da minha filha. Já se passaram alguns anos e quando tento lembrar quem estava lá esqueço alguns e acrescento outros. Independente do tempo decorrido, as descrições do que a gente vê não são tão verdadeiras quanto possam parecer. Na verdade o que a gente memoriza é o “que pensa ter visto” e não o que realmente os olhos viram.
Qualquer um de nós se sente confortável em relatar um acontecimento quando fomos testemunha ocular. Incidentes familiares são freqüentemente repetidos por alguém que estava lá. Uma briga na festa de casamento, uma queda na piscina, um vestido manchado pelo molho da macarronada e mil acontecimentos que marcam a história de todas as famílias. O testemunha ocular para efeito pericial, identificando, por exemplo um assaltante criminoso, assume extrema gravidade pela fragilidade com que se sabe sobre o mecanismo da memória na “testemunha ocular“.
Lembrar com fidelidade do acontecimento traumático que vimos depende de vários fatores, por exemplo: O que foi que eu vi? Um ou mais de um assaltantes? Eles estavam armados? O que me emocionou naquele instante? Cheguei a ver a arma que usava? Para quem estou contando o que vi? Para um delegado ou para um amigo?
O efeito da pergunta no inquérito afeta a descrição da testemunha ocular. Quando se questiona - você viu o bandido? - já está implícita uma qualificação do que foi visto. Será mais coerente que a pergunta formulada questione apenas quem e o que foi visto para deixar o julgamento por conta de quem testemunhou.
Da próxima vez que alguém lhe disser: “eu vi, eu estava lá” você deve considerar as controvérsias da testemunha ocular - ela pode falhar.
Nubor Orlando Facure
1 - O que é memória?
A maioria das pessoas pensa na memória como um talento mal distribuído e não há quem não queira aumentar suas habilidades. Memória, na verdade, precisa ser dita sempre no plural, “memórias”. Temos vários tipos de memória e em várias situações elas estão envolvidas de uma maneira que nem sempre suspeitamos. Existe uma fisiologia da memória que ainda é pouco divulgada, iremos falar sobre algumas dessas particularidades.
Damos pouca importância às falhas e traições que as memórias nos pregam, não temos o menor pudor em acreditar numa memória falsa desde que seja de nossa autoria, e, o que mais nos incomoda, são os esquecimentos inoportunos.
A memória é uma “reconstrução” e não uma “reprodução“ . A cada vez que descrevemos um evento que testemunhamos, o fazemos de modo diferente. Estamos sempre reescrevendo a história e, é nosso estado de humor quem mais interfere nessa descrição.
2 - Teoria da Interferência - uma memória empurra a outra
Vários testes confirmam que ao retermos uma informação, sofremos a interferência do que nos acontece antes ou depois dessa informação. Um exemplo simples:
Vamos testar sua capacidade de reter uma lista de palavras – informo antes que serão nomes de frutas, essa informação prévia distorce claramente o resultado
Agora apresento dez nomes de flores e a seguir leio um texto onde são citadas inúmeras flores. Você ficará confuso com a mistura de nomes.
Você assiste a uma aula de literatura espanhola. Uma hora depois, a aula seguinte é de literatura francesa. Uma semana depois você percebe que sua memória mistura o conteúdo de uma e outra aula.
3 – A memória inclui as sensações e principalmente as percepções. Quando vejo um objeto tenho uma sensação visual, mas, se eu sei o que é, acrescento uma percepção consciente – isso está ligado ao meu conhecimento prévio. A percepção e o conhecimento reforçam a memória. Saber o que estou vendo me facilita lembrar disso depois. Ou, dito em outros termos: para que eu me lembre de você é melhor que eu saiba quem és.
4 – A percepção de um objeto inclui o espaço, o ambiente em torno do objeto, ampliando nossa capacidade de retenção. É bom prestarmos atenção nos detalhes do entorno do objeto que queremos fixar na memória. É por isso que nossa memória visual é mais competente que a memória auditiva. O volume de informações detectados pela visão é muito maior que pela audição.
5 – A memória no retrato rouba a cena
Nas lembranças da formatura recordo-me, ainda, de alguns colegas, do abraço afetuoso do paraninfo na entrega do diploma e da orquestra que tocava no baile daquela noite de dezembro. Dois ou três fotógrafos registravam cada cena.
Fato semelhante ocorre com as festas de casamento das duas filhas. Lembro-me do momento em que assinei documentos, da mesa onde me assentei, e de um ou outro convidado. Foram momentos que os fotógrafos se esmeravam em fixar.
Passam-se os anos e, vez por outra, as fotos são mostradas para alegria de amigos e parentes que testemunharam ao vivo essas cenas.
Agora, nas minhas lembranças, ficaram muito mais as imagens retratadas do que o cenário que participei nos dias de cada uma dessas festas tão importantes para mim. As cenas reais praticamente apagaram-se das minhas memórias, as dos retratos não, elas estão melhor fixadas e até com certa precisão que não tinha notado nas festas.
A explicação é fácil. As cenas vividas só ocorreram uma vez e das imagens dos retratos foram vistas várias vezes e em diferentes ocasiões, justificando porque, hoje, cada festa está mais fixadas nas imagens dos retratos do que nas cenas que participamos na realidade. A Teoria da interferência, também, justifica parte dessa troca. Devemos viver cada momento com grande intensidade e de maneira saudável porque elas ocorrerão uma única vez e os retratos vão dar outra versão à realidade vivida.
7 – A amnésia da infância
Um exercício que cada um de nós pode fazer é tentar lembrar da memória mais precoce que tem. Uma queda aos 4 anos, um susto com um animal que o ameaçou no aniversário de 5 anos ou a morte do pai aos 3 anos.
É possível termos memória de episódios da vida só a partir dos 3 anos de idade. Nessa ocasião está presente nosso aparelho psíquico constituindo o “Self“. A criança já sabe o que é dela (o seu carrinho ou o seu chinelinho) e consegue ver, no espelho, uma fita no seu cabelo, os óculos que experimenta e o baton que foi passado nos lábios. Aquilo que está no espelho ela sabe que, também está nela.
É provável que muitas dessas memória precoces tenham uma mistura de verdades e falsidades involuntárias. È possível que relatos da mãe ou de outros familiares que repetem façanhas da criança acabem fixando memórias fantasiosa, parcialmente verdade e fantasia.
8 – A memória do amanhã
Sempre que falamos de memória pensamos em lembranças de coisas ou acontecimentos já ocorridos. A memória à primeira vista está ligada ao passado. Isso não é inteiramente verdadeiro. A memória do futuro, do que eu vou fazer amanhã é extremamente importante. Esse tipo de memória tem pouco conteúdo de informação, quase sempre eu preciso apenas lembrar de cumprir compromissos. Ela está ligada ao tempo, por exemplo, quando tenho um encontro para as 5 horas da tarde. Está, de outras vezes, presa ao espaço, na minha ida ao supermercado quando tenho de comprar margarina.
A memória do amanhã me torna mais ou menos respeitável pela minha capacidade de cumprir as promessas que fiz ontem.
9 – A memória sobrescrita
Essa é outra forma na qual a Teoria da interferência parece se revelar adequada. Muitas pessoas tem o hábito de escrever seu diário. Mais freqüentemente são adolescentes que pensam registrar acontecimentos que o afetaram emocionalmente. E é esse colorido emocional quem afeta a precisão das memórias ali registradas. Uma vez escrito o diário, fica ali um registro do acontecimento descrito, com as imprecisões naturais e a opinião pessoal que o escritor teve do momento relatado. Algum tempo depois esse texto pode ser relido quantas vezes se desejar. Com isso ficará impresso uma memorização mais condizente ao texto e cada vez mais distante do acontecimento real. O diário cria um novo evento interferindo na memória inicial do fato.
10 - A memória de Instantes
A queda do muro de Berlim, o assassinato do presidente Kennedy, a destruição das Torres Gêmeas, foram acontecimentos que abalaram a opinião pública internacional. A emoção é tão forte que fixa em nossas memórias o instante preciso em que fomos informados dessas notícias. Será que esse tipo de acontecimento ocupa algum lugar especial no cérebro ou utiliza algum mecanismo diferente para se fixar?
O que parece mais provável é que essas notícias são repetidas à exaustão pela mídia e é simplesmente o processo de repetição que não nos permite esquecê-las. Os mecanismos são os mesmos, e o que as fixa é a recitação frequente.
11 - Testemunha ocular
Eu me lembro de ter visto vários parentes no casamento da minha filha. Já se passaram alguns anos e quando tento lembrar quem estava lá esqueço alguns e acrescento outros. Independente do tempo decorrido, as descrições do que a gente vê não são tão verdadeiras quanto possam parecer. Na verdade o que a gente memoriza é o “que pensa ter visto” e não o que realmente os olhos viram.
Qualquer um de nós se sente confortável em relatar um acontecimento quando fomos testemunha ocular. Incidentes familiares são freqüentemente repetidos por alguém que estava lá. Uma briga na festa de casamento, uma queda na piscina, um vestido manchado pelo molho da macarronada e mil acontecimentos que marcam a história de todas as famílias. O testemunha ocular para efeito pericial, identificando, por exemplo um assaltante criminoso, assume extrema gravidade pela fragilidade com que se sabe sobre o mecanismo da memória na “testemunha ocular“.
Lembrar com fidelidade do acontecimento traumático que vimos depende de vários fatores, por exemplo: O que foi que eu vi? Um ou mais de um assaltantes? Eles estavam armados? O que me emocionou naquele instante? Cheguei a ver a arma que usava? Para quem estou contando o que vi? Para um delegado ou para um amigo?
O efeito da pergunta no inquérito afeta a descrição da testemunha ocular. Quando se questiona - você viu o bandido? - já está implícita uma qualificação do que foi visto. Será mais coerente que a pergunta formulada questione apenas quem e o que foi visto para deixar o julgamento por conta de quem testemunhou.
Da próxima vez que alguém lhe disser: “eu vi, eu estava lá” você deve considerar as controvérsias da testemunha ocular - ela pode falhar.
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
O Corpo e suas realidades
Nubor Orlando Facure
Nos primeiros anos de escola aprendemos que o Corpo Humano é constituído de cabeça, tronco e membros. Vemos que desde cedo estamos excluindo a Mente do que nos ensinam sobre o corpo. Ninguém pode negar que cada um de nós é possuidor de um único e exclusivo corpo, mas, considerando a existência da mente, ela nos permite usufruir e trabalhar com mais de um “corpo” como veremos na exposição que farei. Em princípio vou apresentar quatro “corpos”.
O primeiro deles denominado de “corpo ou representação cerebral”. Wilder Penfield, um neurocirurgião de Montreal, estimulando o córtex motor, no lobo frontal, de pacientes epilépticos acordados, pode identificar que nossos movimentos corporais estão “representados” de maneira constante no cérebro de todos nós. É curioso, e todo mundo que estuda já sabe, que Penfield encontrou não os neurônios correspondentes aos músculos, mas sim, o grupo de neurônios que “representam” uma determinada atividade motora, ou seja, é o movimento que se encontra no córtex e não o desenho dos músculos. Vale a pena insistir nessa afirmação: é o movimento quem constrói o córtex motor. A configuração anatômica constatada por Penfield ficou conhecida como “Homúnculo” devido suas características aberrantes, mostrando proporções agigantadas para a face, a língua e as mãos, contrastando com a pequena expressão das pernas e tórax, por exemplo.
Quando ocorre uma lesão nessa área motora o individuo desenvolve uma paralisia típica no lado oposto do corpo. Disse típica porque os neurologistas estão capacitados para avaliar semiologicamente esses pacientes e determinarem com exatidão o local da lesão pelos sinais clínicos que encontra. O braço fica paralisado e se contrai em flexão ao passo que a perna paralisa e enrijece esticando os músculos. Sendo assim, a mão paralítica ainda se aproxima da boca e a perna estendida lhe permite andar.
Na criança pode ocorrer uma lesão congênita nessa área, como é o caso dos cistos porencefálicos. Comprometendo a região motora a criança nasce com uma deficiência que se nota quase que de imediato após o nascimento. A paralisia e o desuso desde o início da vida vão levar a uma atrofia mais ou menos acentuada do hemicorpo comprometido. Nota-se que braço e perna do lado comprometido são menores que do lado sadio. Essa criança costuma apresentar, associado ao seu déficit motor, uma dificuldade social e no aprendizado. As funções cerebelares e cognitivas costumam acompanhar esse déficit motor ampliando o espectro de dificuldades dessas crianças.
Em segundo lugar, convivemos com a “imagem corporal”. Ela é função do lobo parietal direito e diversos estudos têm revelado sua participação no nosso cotidiano e em situações patológicas mais ou menos graves. A partir de 3 anos de idade a criança começa a descobrir o seu corpo. Estica as mãos para pegar objetos. Poe o pezinho na boca. Troca a chupeta pelo polegar. Empurra os objetos com os pés. Vindo a adolescência, torna-se amiga do espelho e cuida de si como uma jóia. O crescimento rápido que a adolescência promove deixa traços marcantes no jovem desajeitado que tromba com os moveis por erro de cálculo entre seu corpo e o espaço.
A anorexia nervosa e o dismorfismo corporal já estão popularizados na mídia. Geralmente uma jovem insatisfeita com seu corpo se tortura em regimes perversos que compromete gravemente sua saúde. Outros se tornam freqüentadores habituais dos consultórios de cirurgia plástica tentando uma modelagem que a natureza não lhe proporcionou.
A “imagem corporal” é uma representação de características pessoais. Nessa função do lobo parietal, é o cérebro quem constrói o corpo. Um bom exemplo para sua identificação nós podemos percebê-lo quando estamos diante de uma vitrine de roupas. Principalmente as mulheres sabem muito bem qual roupa da exposição na vitrine vai lhe servir, vai cair bem no seu corpo. Ë essa imagem corporal que lhe antecipa o resultado de uma veste que nem provar precisa para perceber se vai lhe vestir bem ou não.
Lesões parietais (parietal direito) provocam uma síndrome clássica na Neurologia. Ë a heminegligência. O paciente lesado ignora tudo que está a sua esquerda, inclusive seu hemicorpo. Tem seus membros esquerdos como pertencentes a um estranho.
Em terceiro lugar quero anotar a “imagem Mental”. Aqui é a imaginação quem constrói o corpo. O melhor exemplo é das jovens iniciantes que se esforçam para serem modelos. Tentam se convencer mentalmente de ter um corpo almejado e nunca alcançado. Elas se enxergam de um jeito e são vistas de outro. Quase nunca se admitem na magreza que na verdade tem em excesso. As famosas “Giseles” representam o corpo “idealizado” que essas jovens introjetam no inconsciente para sua realização pessoal. Nos meninos, a ocorrência é semelhante. Os jovens adolescentes “sarados” cultuam o corpo, viciando-se em práticas exageradas nas academias. Eles, também, têm seu modelo de corpo musculoso idealizado em sua mente. A “imagem mental” que fazem de si nem sempre é a que se reflete no espelho ou no olhar dos outros.
Finalmente, o que em minha opinião merece nossa maior reflexão é o “corpo mental”.
O “corpo mental”
A neurologia entende que para todos os fenômenos psicológicos existe um substrato biológico que se revela na atividade cerebral. Neurônios que se despolarizam, circuitos que organizam redes, áreas cerebrais que especializam movimentos e sensações e, regiões que se agrupam compondo funções mais ou menos complexas construindo o pensamento, a memória e compondo a linguagem. A mente seria, portanto, resultado imanente dessa atividade complexa do cérebro. Sem o cérebro não existiria a mente.
Na minha proposta a Mente está fora do cérebro, no “corpo mental”, ela se confirma em evidências clínicas. Exemplos neurológicos sugerem a existência de um corpo que compõe, constrói e expressa os fenômenos da mente. Com o título de “metaneurologia” pretendemos sedimentar a idéia de que podemos investigar e acrescentar, paulatinamente, conhecimento sobre a anatomia e a fisiologia desse “corpo mental”.
A neurologia conseguiu fragmentar diversas funções cerebrais. Sabemos, por exemplo, onde o cérebro decodifica as características físicas de um objeto, sua cor, sua posição, seus movimentos e até mesmo suas funções, mas, não sabemos como o cérebro faz a integração dessas informações. Como o cérebro mantém nossas memórias pessoais para nos fornecer uma identidade única e permanente?
O “corpo mental” pode resolver todas essas questões.
A investigação do que ocorre em diversos quadros clínicos como na histeria, no transe sonambúlico, na narcolepsia, no membro fantasma, nos permite identificar a existência de uma “fisiologia específica” que caracteriza esse “corpo Mental”. Podemos, por exemplo, descobrir que ele (o corpo mental) não se aprisiona nos limites do nosso corpo físico; não se restringe aos circuitos e vias da anatomia cerebral e “circula” por ambientes que transcendem a realidade física que conhecemos.
Funções do “corpo mental”
A visão – O olho humano registra o impulso luminoso que nos permite identificar os objetos a nossa volta. O “corpo mental” vê sem a necessidade de luz. Ele se apodera das propriedades dos objetos. Vamos considerar que estamos diante de uma moeda. Com nossos olhos vamos saber do seu tamanho, cor, forma, talvez a sua procedência e o seu valor. Vamos dizer que se trata de uma moeda do tempo do Império. Com o “corpo mental”, independente da luminosidade que clareia a moeda, vamos identificar, além das características físicas relatadas, podemos registrar todos acontecimentos relacionados com esta moeda. O ambiente da sua fabricação e as mãos por onde ela foi negociada inúmeras vezes. O “corpo mental” registra os aspectos físicos e os eventos psicológicos a ela relacionados.
O olho humano, não é o instrumento de visão do “corpo mental”. Como o que ele detecta é a vibração dos corpos, os objetos são percebidos em qualquer parte do “corpo mental” como, por exemplo, as pontas dos dedos que tocam este objeto.
A linguagem falada – a capacidade para falar, ler e escrever estão intimamente inter-relacionadas. Para cada uma destas funções o cérebro usa um conjunto de módulos que se ligam por vias de associação. A criança aprende a falar ouvindo as pessoas à sua volta aumentando progressivamente o seu vocabulário. Para ler e escrever ela terá que absorver o significado dos símbolos que representam as coisas e as idéias traduzidas em palavras. Existem quadros clínicos em pacientes neurológicos que ilustram didaticamente o comportamento dessas funções. Temos lesões capazes de produzirem incapacidade para reconhecer as palavras – agnosia visual; para escrever – agrafia; para ler – dislexia e para falar – afasia. No corpo mental essas capacidades estão ligadas à percepção do conteúdo mental das idéias, independente da forma como elas são expressas. Vamos agora considerar que estamos diante de um livro. Precisamos ler todo seu conteúdo para nos inteirarmos do seu conteúdo. Com o “corpo mental” nos apoderamos das idéias expressas no livro, dos eventos com ele relacionados e com seu autor.
A memória – O indivíduo comum é capaz de memorizar uma seqüência de sete números, retém alguns telefones familiares, sabe endereço de alguns amigos, lembra de seus nomes e é capaz de relatar o que fez nos últimos dias. Quando faz relatos de eventos antigos como festas ou encontros com amigos, os relata de maneira mais ou menos incompleta, ressaltando que alguns desses encontros ficaram mais marcados e são tidos como inesquecíveis. Cada um desses relatos, quando são confrontados com o testemunho de terceiros, tem sempre o colorido de outras versões mais ou menos enfáticas. Descrever uma festa de formatura tem tantas versões quanto o número de formandos.
A memória de um computador nos permite abrir um texto já escrito e revisá-lo para corrigir ou acrescentar detalhes. A memória do “corpo mental” nos permite abrir o cenário do ambiente vivido durante os acontecimentos que presenciamos. Ele nos permite reviver o passado como se o trouxéssemos para o presente. Vivenciando um fato por uma segunda vez podemos acrescentar elementos que não nos tínhamos dado conta na primeira ocasião em que ocorreu. Um detetive poderia rever um assalto e dessa vez anotar a placa do carro que vira sair fugindo.
Os sonhos – O “corpo mental” não é prisioneiro do corpo físico e, durante o sono, ele tem possibilidade de se libertar mais ou menos parcialmente. A emancipação do “corpo mental” facilitada pelo sono põe o “corpo mental” diante de outras realidades que ele apreende conforme seu nível de conhecimento. Uma pessoa inexperiente colocada diante de um ambiente desconhecido perceberá muito pouco do que está presenciando. Sem experiência ficaremos totalmente perdidos na UTI de um hospital, no meio de uma mata fechada, no comando de um avião ou entre a multidão em um país estranho. E, será assim que essas vivências terão de ser relatadas após passarem pelo filtro do cérebro físico. É esse o conteúdo extraordinário dos sonhos, uma percepção espiritual filtrada pelo cérebro físico. Vez por outra, em situações especiais, conseguiremos registrar uma cópia fiel de acontecimentos que vivenciamos sonhando fixando-a com completa lucidez.
A mente – Temos como hipótese, que, a mente é uma entidade que se corporifica numa estrutura organizada que denominamos “corpo mental”. Esse corpo tem existência extra-cerebral e propriedades que se diferenciam das funções cerebrais conhecidas.
A semiologia neurológica, analisando determinados quadros clínicos, pode revelar funções que confirmam claramente a existência do “corpo mental”. Podemos perceber que a fisiologia do “corpo mental” nos dá informações confiáveis que o situa para além do cérebro físico. Explorando suas memórias podemos reviver claramente o passado. Confirmamos que sua sensibilidade é afetada pela vibração das substâncias. Sua forma de percepção nos possibilita contato com o conteúdo e significado dos objetos, mais do que com a forma e, a linguagem se processa pela transmissão de idéias.
O “corpo mental”, a meu ver, inaugura um novo paradigma para a neurociência clínica.
Nubor Orlando Facure
Nos primeiros anos de escola aprendemos que o Corpo Humano é constituído de cabeça, tronco e membros. Vemos que desde cedo estamos excluindo a Mente do que nos ensinam sobre o corpo. Ninguém pode negar que cada um de nós é possuidor de um único e exclusivo corpo, mas, considerando a existência da mente, ela nos permite usufruir e trabalhar com mais de um “corpo” como veremos na exposição que farei. Em princípio vou apresentar quatro “corpos”.
O primeiro deles denominado de “corpo ou representação cerebral”. Wilder Penfield, um neurocirurgião de Montreal, estimulando o córtex motor, no lobo frontal, de pacientes epilépticos acordados, pode identificar que nossos movimentos corporais estão “representados” de maneira constante no cérebro de todos nós. É curioso, e todo mundo que estuda já sabe, que Penfield encontrou não os neurônios correspondentes aos músculos, mas sim, o grupo de neurônios que “representam” uma determinada atividade motora, ou seja, é o movimento que se encontra no córtex e não o desenho dos músculos. Vale a pena insistir nessa afirmação: é o movimento quem constrói o córtex motor. A configuração anatômica constatada por Penfield ficou conhecida como “Homúnculo” devido suas características aberrantes, mostrando proporções agigantadas para a face, a língua e as mãos, contrastando com a pequena expressão das pernas e tórax, por exemplo.
Quando ocorre uma lesão nessa área motora o individuo desenvolve uma paralisia típica no lado oposto do corpo. Disse típica porque os neurologistas estão capacitados para avaliar semiologicamente esses pacientes e determinarem com exatidão o local da lesão pelos sinais clínicos que encontra. O braço fica paralisado e se contrai em flexão ao passo que a perna paralisa e enrijece esticando os músculos. Sendo assim, a mão paralítica ainda se aproxima da boca e a perna estendida lhe permite andar.
Na criança pode ocorrer uma lesão congênita nessa área, como é o caso dos cistos porencefálicos. Comprometendo a região motora a criança nasce com uma deficiência que se nota quase que de imediato após o nascimento. A paralisia e o desuso desde o início da vida vão levar a uma atrofia mais ou menos acentuada do hemicorpo comprometido. Nota-se que braço e perna do lado comprometido são menores que do lado sadio. Essa criança costuma apresentar, associado ao seu déficit motor, uma dificuldade social e no aprendizado. As funções cerebelares e cognitivas costumam acompanhar esse déficit motor ampliando o espectro de dificuldades dessas crianças.
Em segundo lugar, convivemos com a “imagem corporal”. Ela é função do lobo parietal direito e diversos estudos têm revelado sua participação no nosso cotidiano e em situações patológicas mais ou menos graves. A partir de 3 anos de idade a criança começa a descobrir o seu corpo. Estica as mãos para pegar objetos. Poe o pezinho na boca. Troca a chupeta pelo polegar. Empurra os objetos com os pés. Vindo a adolescência, torna-se amiga do espelho e cuida de si como uma jóia. O crescimento rápido que a adolescência promove deixa traços marcantes no jovem desajeitado que tromba com os moveis por erro de cálculo entre seu corpo e o espaço.
A anorexia nervosa e o dismorfismo corporal já estão popularizados na mídia. Geralmente uma jovem insatisfeita com seu corpo se tortura em regimes perversos que compromete gravemente sua saúde. Outros se tornam freqüentadores habituais dos consultórios de cirurgia plástica tentando uma modelagem que a natureza não lhe proporcionou.
A “imagem corporal” é uma representação de características pessoais. Nessa função do lobo parietal, é o cérebro quem constrói o corpo. Um bom exemplo para sua identificação nós podemos percebê-lo quando estamos diante de uma vitrine de roupas. Principalmente as mulheres sabem muito bem qual roupa da exposição na vitrine vai lhe servir, vai cair bem no seu corpo. Ë essa imagem corporal que lhe antecipa o resultado de uma veste que nem provar precisa para perceber se vai lhe vestir bem ou não.
Lesões parietais (parietal direito) provocam uma síndrome clássica na Neurologia. Ë a heminegligência. O paciente lesado ignora tudo que está a sua esquerda, inclusive seu hemicorpo. Tem seus membros esquerdos como pertencentes a um estranho.
Em terceiro lugar quero anotar a “imagem Mental”. Aqui é a imaginação quem constrói o corpo. O melhor exemplo é das jovens iniciantes que se esforçam para serem modelos. Tentam se convencer mentalmente de ter um corpo almejado e nunca alcançado. Elas se enxergam de um jeito e são vistas de outro. Quase nunca se admitem na magreza que na verdade tem em excesso. As famosas “Giseles” representam o corpo “idealizado” que essas jovens introjetam no inconsciente para sua realização pessoal. Nos meninos, a ocorrência é semelhante. Os jovens adolescentes “sarados” cultuam o corpo, viciando-se em práticas exageradas nas academias. Eles, também, têm seu modelo de corpo musculoso idealizado em sua mente. A “imagem mental” que fazem de si nem sempre é a que se reflete no espelho ou no olhar dos outros.
Finalmente, o que em minha opinião merece nossa maior reflexão é o “corpo mental”.
O “corpo mental”
A neurologia entende que para todos os fenômenos psicológicos existe um substrato biológico que se revela na atividade cerebral. Neurônios que se despolarizam, circuitos que organizam redes, áreas cerebrais que especializam movimentos e sensações e, regiões que se agrupam compondo funções mais ou menos complexas construindo o pensamento, a memória e compondo a linguagem. A mente seria, portanto, resultado imanente dessa atividade complexa do cérebro. Sem o cérebro não existiria a mente.
Na minha proposta a Mente está fora do cérebro, no “corpo mental”, ela se confirma em evidências clínicas. Exemplos neurológicos sugerem a existência de um corpo que compõe, constrói e expressa os fenômenos da mente. Com o título de “metaneurologia” pretendemos sedimentar a idéia de que podemos investigar e acrescentar, paulatinamente, conhecimento sobre a anatomia e a fisiologia desse “corpo mental”.
A neurologia conseguiu fragmentar diversas funções cerebrais. Sabemos, por exemplo, onde o cérebro decodifica as características físicas de um objeto, sua cor, sua posição, seus movimentos e até mesmo suas funções, mas, não sabemos como o cérebro faz a integração dessas informações. Como o cérebro mantém nossas memórias pessoais para nos fornecer uma identidade única e permanente?
O “corpo mental” pode resolver todas essas questões.
A investigação do que ocorre em diversos quadros clínicos como na histeria, no transe sonambúlico, na narcolepsia, no membro fantasma, nos permite identificar a existência de uma “fisiologia específica” que caracteriza esse “corpo Mental”. Podemos, por exemplo, descobrir que ele (o corpo mental) não se aprisiona nos limites do nosso corpo físico; não se restringe aos circuitos e vias da anatomia cerebral e “circula” por ambientes que transcendem a realidade física que conhecemos.
Funções do “corpo mental”
A visão – O olho humano registra o impulso luminoso que nos permite identificar os objetos a nossa volta. O “corpo mental” vê sem a necessidade de luz. Ele se apodera das propriedades dos objetos. Vamos considerar que estamos diante de uma moeda. Com nossos olhos vamos saber do seu tamanho, cor, forma, talvez a sua procedência e o seu valor. Vamos dizer que se trata de uma moeda do tempo do Império. Com o “corpo mental”, independente da luminosidade que clareia a moeda, vamos identificar, além das características físicas relatadas, podemos registrar todos acontecimentos relacionados com esta moeda. O ambiente da sua fabricação e as mãos por onde ela foi negociada inúmeras vezes. O “corpo mental” registra os aspectos físicos e os eventos psicológicos a ela relacionados.
O olho humano, não é o instrumento de visão do “corpo mental”. Como o que ele detecta é a vibração dos corpos, os objetos são percebidos em qualquer parte do “corpo mental” como, por exemplo, as pontas dos dedos que tocam este objeto.
A linguagem falada – a capacidade para falar, ler e escrever estão intimamente inter-relacionadas. Para cada uma destas funções o cérebro usa um conjunto de módulos que se ligam por vias de associação. A criança aprende a falar ouvindo as pessoas à sua volta aumentando progressivamente o seu vocabulário. Para ler e escrever ela terá que absorver o significado dos símbolos que representam as coisas e as idéias traduzidas em palavras. Existem quadros clínicos em pacientes neurológicos que ilustram didaticamente o comportamento dessas funções. Temos lesões capazes de produzirem incapacidade para reconhecer as palavras – agnosia visual; para escrever – agrafia; para ler – dislexia e para falar – afasia. No corpo mental essas capacidades estão ligadas à percepção do conteúdo mental das idéias, independente da forma como elas são expressas. Vamos agora considerar que estamos diante de um livro. Precisamos ler todo seu conteúdo para nos inteirarmos do seu conteúdo. Com o “corpo mental” nos apoderamos das idéias expressas no livro, dos eventos com ele relacionados e com seu autor.
A memória – O indivíduo comum é capaz de memorizar uma seqüência de sete números, retém alguns telefones familiares, sabe endereço de alguns amigos, lembra de seus nomes e é capaz de relatar o que fez nos últimos dias. Quando faz relatos de eventos antigos como festas ou encontros com amigos, os relata de maneira mais ou menos incompleta, ressaltando que alguns desses encontros ficaram mais marcados e são tidos como inesquecíveis. Cada um desses relatos, quando são confrontados com o testemunho de terceiros, tem sempre o colorido de outras versões mais ou menos enfáticas. Descrever uma festa de formatura tem tantas versões quanto o número de formandos.
A memória de um computador nos permite abrir um texto já escrito e revisá-lo para corrigir ou acrescentar detalhes. A memória do “corpo mental” nos permite abrir o cenário do ambiente vivido durante os acontecimentos que presenciamos. Ele nos permite reviver o passado como se o trouxéssemos para o presente. Vivenciando um fato por uma segunda vez podemos acrescentar elementos que não nos tínhamos dado conta na primeira ocasião em que ocorreu. Um detetive poderia rever um assalto e dessa vez anotar a placa do carro que vira sair fugindo.
Os sonhos – O “corpo mental” não é prisioneiro do corpo físico e, durante o sono, ele tem possibilidade de se libertar mais ou menos parcialmente. A emancipação do “corpo mental” facilitada pelo sono põe o “corpo mental” diante de outras realidades que ele apreende conforme seu nível de conhecimento. Uma pessoa inexperiente colocada diante de um ambiente desconhecido perceberá muito pouco do que está presenciando. Sem experiência ficaremos totalmente perdidos na UTI de um hospital, no meio de uma mata fechada, no comando de um avião ou entre a multidão em um país estranho. E, será assim que essas vivências terão de ser relatadas após passarem pelo filtro do cérebro físico. É esse o conteúdo extraordinário dos sonhos, uma percepção espiritual filtrada pelo cérebro físico. Vez por outra, em situações especiais, conseguiremos registrar uma cópia fiel de acontecimentos que vivenciamos sonhando fixando-a com completa lucidez.
A mente – Temos como hipótese, que, a mente é uma entidade que se corporifica numa estrutura organizada que denominamos “corpo mental”. Esse corpo tem existência extra-cerebral e propriedades que se diferenciam das funções cerebrais conhecidas.
A semiologia neurológica, analisando determinados quadros clínicos, pode revelar funções que confirmam claramente a existência do “corpo mental”. Podemos perceber que a fisiologia do “corpo mental” nos dá informações confiáveis que o situa para além do cérebro físico. Explorando suas memórias podemos reviver claramente o passado. Confirmamos que sua sensibilidade é afetada pela vibração das substâncias. Sua forma de percepção nos possibilita contato com o conteúdo e significado dos objetos, mais do que com a forma e, a linguagem se processa pela transmissão de idéias.
O “corpo mental”, a meu ver, inaugura um novo paradigma para a neurociência clínica.
Assinar:
Postagens (Atom)