Nossos “Campos” psíquicos
Nubor Orlando Facure
Não há palavras que preencham o
espectro inteiro das nossas experiências psíquicas. Usei o termo “campos”
aleatoriamente. A neurologia usa níveis de consciência, a psicologia fala em
expansão da consciência, a psicanálise em limites do inconsciente e
filósofos em cisão da personalidade.
É fácil de se perceber a ação dos
fenômenos que nos afetam fisicamente –
você toca a panela quente no fogão, queima as pontas dos dedos e sente subir
uma dor atroz insuportável.
Num exemplo simples como esse,
podemos perguntar: o que acontece internamente em
nosso psiquismo?
Ha uma dor física registrada no
cérebro e a reação emocional de uma dor psíquica: dor que irrita, causa sofrimento,
raiva, revolta, sentimento de vingança ou, toleramos o incômodo e deixa passar.
No dia a dia nos vemos trabalhando,
estudando, transitamos pela cidade enfrentando mil dissabores, compromissos
familiares com filhos e esposa – e mal damos conta das reações físicas e
psíquicas que nos atinge continuamente. Em todas essas situações nossos
“campos” psíquicos estão ativamente funcionantes.
Didaticamente distinguimos 4
“campos” psíquicos que apontaremos a seguir, destacando sua anatomia
simplificadamente:
A consciência:
A consciência pode ser aceita como
uma função, uma posse de determinadas competências ou, uma propriedade do
complexo cérebro/mente mas, classicamente é tratada como um “estado” – modo de
estar, situação, condição – Consciência é um estado de alerta que mantém
desperto nosso tônus psíquico.
A Consciência normal é preenchida
por um conteúdo fornecido pelo ambiente e pelo meio interno nosso corpo, nosso
organismo. Ela só é completa quando estão ativas a atenção, as memórias e a
linguagem. Os quadros patológicos são interessantíssimos, certos pacientes
apresentam-se conscientes mas, sem conteúdo e, outros, não tem consciência da
presença de uma parte do seu corpo – nas chamadas heminegligências o doente não
reconhece como seu a metade esquerda do seu corpo, ela o incomoda como um intruso
ao seu lado.
O INCONSCIENTE:
Depois de Freud o termo
inconsciente merece ser escrito em letras maiúsculas. Ele remodelou o nosso
psiquismo como Copérnico revolucionou o firmamento e Darwin determinou a
posição do homem na escala animal.
O Inconsciente de Freud é descrito
exaustivamente como uma entidade a parte, construída por desejos censurados e
reprimidos, inaceitáveis socialmente, criando situações insustentáveis para o
indivíduo, permitindo eclodir manifestações neuróticas de diversos coloridos.
Não importa o quanto Freud é hoje
aceito ou rejeitado – nossa mente não é mais a mesma depois dos fatos que ele
escarafunchou revelando dentro de nós um mundo promiscuo e incestuoso – é claro
que a sociedade se escandalizou, mas nada foi tão chocante e pior que a
pequenez que a psicanálise nos posicionou, inferiorizados nas tomadas de
decisões que sempre imaginamos ser do nosso completo domínio consciente – puro
engano, somos traídos por desejos proibidos, inconscientes, na maioria das
vezes.
O inconsciente da psicopatologia constrói quadros clínicos
variados – expressões de neuroses diversas, quadros grotescos nas paralisias e
contorções histéricas, sintomas sutis de anestesias nalguma parte do corpo e
perversões libidinosas criativas.
Não é preciso mergulharmos em
exemplos doentios, o que escandaliza a sociedade é percebermos em nós mesmos os sonhos confusos, os atos falhos, os
sintomas neuróticos disfarçados, especialmente nos chefes déspotas, nos pais
autoritários, nas tias solteironas exigentes, nas mães condescendentes, nos
maridos dominadores, nos filhos agressivos – melhor saber que desse
inconsciente indomável nenhum de nós tem como escapar.
Subconsciente:
É assustador o que a literatura
vulgar e pseudocientífica tem publicado sobre o papel e poderes do nosso
subconsciente, é melhor não perdermos tempo com isso.
Pierre Janet, um dos gigantes da
escola francesa de Charcot, tentou fazer com o subconsciente o que Freud
conseguiu com o inconsciente. Nas crises histéricas ele fala numa cisão da personalidade
com manifestação do subconsciente. Pierre Janet foi muito confuso na
apresentação da sua teoria, não conseguindo o sucesso de Freud.
Na psicanálise o subconsciente é
uma região intermediária entre a consciência e o inconsciente. Haveria uma comunicação
mais pronta entre os dois, sem os conflitos incômodos, reprimidos no
inconsciente
O Magnetismo e o subconsciente
Foi
Mesmer (1779), que introduziu, em Paris, a aplicação do magnetismo
animal, produzindo as “crises” denominadas
de crises mesméricas, para tratamento de
suas pacientes.
Nessas crises, ocorria um franco
estado torporoso, que seu discípulo, Marquês de Puysegur denominou de
sonambulismo, foi daí em diante que se difundiu o termo “crise sonambúlica”.
Nessas situações de sonambulismo
provocado, ficou claro a manifestação de um novo conteúdo mental constatado no
paciente em crise e, que demonstrou-se tratar-se de um conteúdo subconsciente,
já que uma vez desperto o paciente não mais o possui.
O caso emblemático de exposição do
subconsciente ocorreu em Maio de 1784 na propriedade rural de Puysegur. Um
jovem de pouco mais de 15 anos, Victor Race, foi magnetizado para tratamento de
uma dor nas costas – ele era pastor de ovelhas – durante o transe ele falava
com um palavreado superior a sua condição cultural, manifestou capacidade de
clarividência e colaborava com Puyseguir revelando moléstias internas nos
demais participantes dos experimentos com o magnetismo. Foi dando uma
determinada ordem ao garoto que Puysegur descobriu a existência de um fenômeno extraordinário
que chamou de sugestão pós-sonambúlica – uma vez desperto do transe sonambúlico
o garoto cumpria as ordens que Puysegur lhe havia determinado.
Inconsciente neurológico
Usei esse termo para me referir a
uma série de competências do nosso cérebro para realizar tarefas sem a
participação ostensiva da consciência.
Classicamente os mais conhecidos
são os automatismos motores – podemos caminhar, digitar, tocar o violão,
dirigir o automóvel, andar de bicicleta e mesmo atividades simples como pentear
o cabelo, escovar os dentes, virar as páginas de um livro, acender um cigarro,
fazer um tiauzinho com a mão, jogar um beijo, estender a mão para cumprimentar.
Atividade sensitiva também pode ser
subconsciente – estou assentado e a pressão da cadeira me faz mudar
constantemente de posição sem me dar conta do que está acontecendo, a explosão
de um foguete me faz virar rapidamente a cabeça para o lado do barulho
As funções cognitivas de caráter
emocional são frequentemente inconscientes – O artilheiro chuta o pênalti na
trave, há um lamento geral percorrendo a arquibancada. Uma martelada no dedo me
solta um grito de dor e um palavrão. Cruzo apressado com um amigo e aquele
“olá, tudo bem” sai automaticamente sem comando da consciência.